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terça-feira, setembro 13, 2005

Espera...

"Espera...

Não, não partas já, espera um pouco ainda,
espera que o tempo passe e apazigue a alma,
nos arrefeça os ímpetos e nos faca voltar à terra,
a essa estúpida e reguladora rotina que nos rege os dias e as noites
e nos faz sentir que afinal somos pessoas normais,
donas da nossa vida e do nosso coração.

Espera só um momento,
deixa que o silêncio perpetue os nossos momentos de perfeição,
a comunhão das nossas almas em noites passadas em claro ,
em conversas ligadas por um fio invisível,
o fio do desejo, daquele desejo duradouro e certo que o tempo não mata,
só ajuda a cimentar, que a distância não destrói, só ajuda a alimentar.

Espera só mais um instante,
até que a tua memória quente cristalize os nossos momentos
e os preserve como um tesouro secreto
por mais ninguém descoberto e cobiçado.
Guarda bem estes instantes,
num lugar qualquer entre a tua cabeça e o teu coração,
que deve ser mais ou menos onde se situa a alma
e espera que o tempo te diga se o que sentes vai crescer e dar sentido à tua vida.

Espera ,não partas ainda, o dia ainda não acordou,
na rua só os cães ladram, os bêbados choram e os candeeiros vivem,
a noite é enorme, é imensa, é nossa e só nossa, cada minuto passa mais devagar
Porque não pode ver que horas são...

Está escuro no quarto, mas nunca vi tanta luz,
uma luz doce e ao mesmo tempo avassaladora que sai dos teus olhos semicerrados,
das tuas mãos entrelaçadas nas minhas, da tua voz sussurada e próxima ,
do teu sorriso onde caibo inteira.
A luz envolve-me como uma teia
e eu sinto-me embalada como uma criança no berço,
fecho os olhos para te ver melhor e de repente
o passado passa todo por baixo das minhas pâlpebras
como um filme acelarado e vejo-me outra vez com 18 anos
a sonhar com o futuro, a imaginar tudo aquilo em que me tornei ,
para logo regressar ao presente e ficar aqui,
imóvel como uma estátua à espera que o tempo passe e nada mude...

Espera só mais um ou dois minutos,
eterniza este abraço, grava-o na tua memória para que amanhã e depois,
e depois ainda, o possas sentir outra vez,
que ele te acompanhe e te ajude, te dê apoio e protecção,
te faça sentir amado e desejado como uma mãe que ama um filho,
sempre em silêncio, sem nunca perder a paciência, sem nunca cobrar,
sem nunca pedir, só dar, dar, dar...

Espera ainda , esconde tudo,
leva o meu cheiro para casa e esconde-o dentro de uma gaveta ,
não deixes que ninguém saiba que te quero e te desejo,
não deixes que te falem de mim, não oiças o que os outros dizem ,
eles não estão no meio de nós, só nós é que estamos aqui,
a vida que vivemos é a nossa vida e não a que os outros querem que seja.

Vive cada minuto intensamente e no maior segredo
faz como aquele poeta que só deixou que as suas palavras fossem lidas depois de morrer,
para que ninguém o julgasse ou pudesse apontar-lhe o dedo.

Guarda-me bem, perto de ti, sempre perto,
mesmo que eu não te veja ou tu não me fales, estarei ali,
junto de ti, como Vénus sempre atrás da lua quando o dia cai e a noite se levanta,
silenciosa, altiva, celeste e discreta. Deixa-me ficar aí , aí ninguém me vê ,
estou protegida pela discrição da noite ,
pelo silêncio dos pássaros que já dormem e não nos podem denunciar.
Serei uma sombra , um suspiro, um sorriso, uma festa no teu cabelo.

E a minha presença , certa e segura junto ao teu coração ,
vai-te trazer de volta os sons das nossas conversas,
a temperatura das nossas mãos entrelaçadas uma na outra ,
o sabor da minha boca na tua, o meu olhar dentro do teu como nunca tivesse partido,
como se nunca mais precisasses de voltar a essa estúpida rotina que nos rege os dias e as noites,
e nunca mais te sentirás uma pessoa normal, igual às outras,
porque é agora que podes ser dono(a) da tua vida e do teu coração,
é agora que tudo pode acontecer de outra forma e a vida se trasformar em algo que sempre sonhaste.

Mas espera, espera um pouco ainda, espera ,
porque a espera é o tempo de deixar crescer aquilo que há-de ser.
E é sempre pouco, quando se tem tanto para dar e receber."



Margarida Rebelo Pinto

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