Deixem aqui os vossos comentários

terça-feira, outubro 30, 2007

Canto de Cisne

Rabi Khan - Moon and Fiancee




Olhei o lago do tempo
como um cisne solitário
a esperar a companheira
a madrugada reflectia um ritmo errante
em sua mortalha de neblina
senti a presença abismal da lembrança
que me trouxe o último rosto
em que me perdi de amor
cantei para morrer em glória
cuspindo efêmeros suspiros
sonhando reflexos de ilusão.


Valéria Duque

Estou escondido na cor amarga do fim da tarde

Van Gogh - Der rote Weingarten in Arles (1888)


estou escondido na cor amarga do
fim da tarde. sou castanho e verde no
campo onde um pássaro
caiu. sinto a terra e orgulho
por ter enlouquecido. produzo o corpo
por dentro e sou igual ao que
vejo. suspiro e levanto vento nas
folhas e frio e eco. peço às nuvens
para crescer. passe o sol por cima
dos meus olhos no momento em que o
outono segue à roda do meu tronco e, assim
que me sinta queimado, leve-me o
sol as cores e reste apenas o odor
intenso e o suave jeito dos ninhos ao
relento


Valter Hugo Mãe

Defesa do Sublime

Edvard Munch - Madonna (1895)

Quero este poema no lugar do sublime,
com uma cadeira de névoa ao colo da estátua
e os seios de erva tingidos de púrpura. Puxo
a túnica até à abertura do ventre; e roubo
ao interior de pedra um desenho etéreo,
como se o paraíso estivesse no centro
do umbigo, inscrito na massa obscura
do amor. Moldo-a com as mãos da alma,
esculpindo um corpo. Por vezes, apercebo-me
da sua respiração, de um palpitar de artérias
no interior do mármore. Ouço um desejo
fremente, o choro de êxtase que antecipa
o esgotamento, o sussurro que permanece
no ouvido quando o sol se esvai num
horizonte de cortinas, e os vidros reflectem
os amantes. E dou-lhes o lugar que o sublime
habita, com o seu rosto trabalhado pelo
cinzel do sentimento, raspando a cal do sonho
até deixar entrar a água da vida: a doce
agitação de um abraço, o perfil entrevisto
numa humidade de travesseiros, lábios
subindo a breve colina das pálpebras. Canto,
então, este canto que se prolonga no corredor
do poema, atirando para o lado os obstáculos
da indecisão, abrindo labirintos e becos, até
às portas de argila da memória. Abro-as com
a chave dos murmúrios que me emprestaste,
rodando-a com os dedos do silêncio; e
encontro a tua voz, com o seu fogo de sílabas,
e um ritmo de luz em cada palavra. Trata-se
de um lugar sublime, esse em que a mulher
límpida se senta, limpando a névoa desta
casa com a sua esponja de linguagem, numa
sofreguidão de segredo que o verso ecoa.



Nuno Júdice
Geometria Variável
Publicações D. Quixote
Lisboa
Abril 2005

sexta-feira, outubro 26, 2007

Exercício Anatómico

Natasha Wescoat - Temptations

Descasco o tempo, como um fruto, espalho
os seus gomos sobre a mesa, separando os bagos
dos minutos e a polpa dos segundos, desfaço
a pele, até ficar com a sua massa colada
às mãos, olhando-a nessa diferença entre
o que é eterno e o que, sempiterno, se prolonga
na qualidade efémera da eternidade. Corto
os conceitos no prato do acaso, vendo o sumo
da duração misturar-se com o leite
do instante. Encho o copo da vida com
este líquido que me sobrou do que
acaba na fronteira do presente, e só a
memória recupera de entre o que emerge
no passado. No entanto, são fragmentos
onde encontro o que foi plenitude, e pensei
ter atingido o intemporal: um sorriso
que ficou preso ao espelho que os invernos
embaciaram; palavras que o ouvido roubou
a esses lábios que noutros lábios se perderam;
dedos pousados numa hesitação de caminho,
e logo fechados na palma da mão, até a noite
os levar. Disponho tudo isto nas prateleiras
de uma breve nostalgia; tento arrumar o que
permanece num canto em que a melancolia
se esconda; e o que fica é este pó de
sentimentos que me incomoda a alma,
obrigando-me a sacudi-lo com o pano
do esquecimento. Mas que fazer a esse brilho
que sobrou de uns olhos amados? A esse
momento em que a dúvida se dissipou,
num inesperado murmúrio, até a frase
retomar o seu curso? Ao remorso que
ficou do que não foi dito? A manhã, porém,
com a sua luz de ouro, limpar-me-á
destes restos de outrora, como se tudo
o que sou não viesse de cada um deles,
e de quem os habita, sombra, fantasma,
simples nome que repito, em voz baixa,
para que não se ouça a quem devo o poema.


Nuno Júdice
Geometria Variável
Publicações D. Quixote
Lisboa
Abril 2005

colorindo



Susurro..
pinta-me de ti
faz-me ter côr
...então eu pego no amarelo e pinto o meu coração
e o teu
de azul os nossos corpos
de vermelho a nossa paixão
eu sou azul céu
tu azul mar
entre nós o amarelo do sol
e salpico de mil cores nossos sentires
aninha-te em mim..
como o sol se aninha no mar
que eu nasço em ti.. como o mais lindo luar
de mil nuances nossos desejos
fico a olhar para o nosso sentir...
e as cores com que o pinto
e fico maravilhada…
reinvento
novas cores
nuances
amores...
beija-me
como o sol beija o mar
beijo-te como a onda beija a areia
espraia-te em mim
estende-te em mim
e desfaço-me em azul
ou branco da espuma que te beija
sou mar que se imola nas rochas..
para que possa ser gota que te beije a face
imolo-me não para morrer
mas sim para nascer
assim sim
para renascer em ti
para renascer em mim
em ti me renovo
e renasço
em ti me descubro e me enlaço
minha tela, meu traço
multicolor
enquanto me abraças
e eu te pinto o traço
colorindo de mil cores
brincando...


tb

Vinte e um...

Marc Chagall - Pink Lovers


Vinte e um. Noite. Segunda-feira.
A silhueta da cidade na neblina.
Algum desocupado inventou
essa história de que há amor no mundo.
E por preguiça ou tédio,
todos acreditaram nele e assim viveram:
esperando encontros, temendo rupturas
e cantando canções de amor.
Mas a outros será revelado o segredo
e sobre estes cairá o silêncio...
Eu tropecei nele casualmente e, desde então,
sinto-me como se estivesse doente.




Anna Akhmatova
1917

Quando Ficas Sozinho


Quando ficas sozinho, és espelho
do que foste:
uma manhã
Contemplada da janela encostada
da varanda; alguns passos
harmoniosos que não seguiste
para não derramar teu gozo;
umas quantas palavras
que te modificaram mais que o tempo;
um olhar que se afogou
Como luz em tuas veias;
uma viagem que não querias
terminar nunca; tua alma ausente
do que te esperava
ao ficares sozinho.


Ángel Crespo
In Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea
(Selecção e Tradução de José Bento)

quinta-feira, outubro 25, 2007

Como um Eco

Edvard Munch - The Scream (1893)



Não tinhas
nome. Existias
como um eco
do silêncio. Eras
talvez
uma pergunta
do vento.


Albano Martins

As Palavras em Trânsito

Wassily Kandinsky - Improvisation (1913)

Resvalas neste sopro.
Sabes
que tens o olhar ferido
desde sempre, que o incêndio
das palavras em trânsito celebra
prescritas sílabas, ancorados
ritos, desprevenidos
equinócios.
Dantes,
havia um mar crispado
na fissura dos lábios. Hoje, apenas
algumas gotas de sal.


Albano Martins

Em que idioma te direi...

Dagmar Zupan - New Relationship

Em que idioma te direi
este amor sem nome
que é servo e rei?

Como o direi?
Como o calarei?


Albano Martins
Em Vocação do Silêncio 1950-1985

Máquina do Tempo

Wassily Kandinsky - Improvisation

O Universo é feito essencialmente de coisa nenhuma.
Intervalos, distâncias, buracos, porosidade etérea.
Espaço vazio, em suma.
O resto, é a matéria.

Daí, que este arrepio,
este chamá-lo e tê-lo, erguê-lo e defrontá-lo,
esta fresta de nada aberta no vazio,
deve ser um intervalo.


ANTÓNIO GEDEÃO
Poesias Completas, 1975

A delicada majestade

Alfred Gockel - Fun in the Sun I

Um dia poderás chegar, tu que nunca chegas

porque não és um tu

ou porque chegas sempre em não chegares.

Subi um dia por uma escada silenciosa

e em torno era um pomar branco, tranquila maravilha

e eu senti, eu vi, adivinhei

a divindade amada, a soberana e delicada

majestade. Que suavidade de oriente,

que suave esplendor! Era o fulgor de um sono

límpido, entre olhos verdes, entre mãos verdes.

E num repouso de oiro adormecido era quase um rosto

Antiquíssimo e inicial. Contemplava

a quietude de um imenso nenúfar

e a fragância era quase visível como um mar entreaberto.

Era um rio detido ou uma tersa nuca ou um braço estendido

que descansa entre ribeiros primaveris

ou era antes a serena felicidade

e era uma boca da terra que não cantava que não dizia

o silêncio ardente que no peito de espuma cintilava.


António Ramos Rosa
In Acordes

A Ruptura Salva um Coração

Salvador Dalí - Millets Architectonic Angelus

já lhe rompi
as asas,
quebrei
seu voo
com meu voo,
coloquei-a
em sua legítima
sombra,
seu desejo

que dor
quebrar-lhe sua dor!

e chorará
chorarei

mas o amor
exige sua derrota,
seus castelos
de arame,
seus cavalos
com freio.

traz uma cor
torcida em cada roda
para seu ofício de
tropeçador sem fim,

mas não virá
esta tarde, também
não vai querer arrastar
seus cotos de
aço,
não vai querer,
uma vez mais,
ser em sua
dor.

eu a quebro
em meu pranto
e em meu quebranto
me quebro,

e o anjo, roto,
rompe a luz
e em sua sombra
se dilui.


Pablo del Barco
Em Os Anjos do Não
Tradução de Cecília Pereira

COMO TE EXTINGUES em mim:

Alfred Gockel - Secret Moments I





ainda no último
e gasto
nó de ar
estás lá com uma
faísca
de vida.

Paul Celan
tradução: Claudia Cavalcanti

No espelho

Pablo Picasso - Girl Before a Mirror

No espelho
o olhar desaparece

às vezes desalojado
no meu próprio corpo

às vezes
angustiado
pela angústia
que rola
para lá e para cá como destroços
na rebentação

raspo com um dedo
o vidro
e oiço o mundo gritar.


Pia Tafdrup

Escrevo-te cartas...

Marc Chagall - Lovers in Moonlight

escrevo-te cartas que nunca irás receber.
a morada desaparece
sempre que tentamos encontrar
não uma porta, mas uma casa inteira.
desligo tudo dentro deste quarto.
ouço, incompleto, - com a janela
entreaberta ao fresco da noite -
cada pequeno ruído,
como se fosse um código para nos entendermos.


Ruy Ventura

Antes que o verão chegue...

Andy Warhol - Sunset (1972)

Antes que o verão chegue
e as longas tardes
se espalhem pelo coração
e te prendam ao desgaste habitual
toca uma palavra
para que permaneça
na minha boca
onde mais ninguém
possa ficar confundido.
Uma apenas.

E vê como pesa menos sobre o silêncio
a sombra que vais mover.


Vasco Ferreira Campos

Pedaços

Pablo Picasso - Blue Nude (1902)

Estou estilhaçada
silêncios saem da boca
mansos
estava desenhando
palavras
perdi o jeito de amanhecer

tenho tantos pedaços
que sou quase infinita


Vera Lúcia Oliveira

quarta-feira, outubro 24, 2007

Tenho uma coisa para te entregar...

Alfred Gockel - Romance in Red II


Tenho uma coisa para te entregar
uma pedra a pôr no chão da rua,
uma luar presença sob o sol.
Tenho uma coisa para te devolver,
para ficar minha sendo tua,
aquecida no tempo e nestes olhos.
Tenho uma coisa que eu te posso dar
que é o vento a vir atrás do verde
e a dizer azul no teu cabelo


Pedro Tamén

Castigo


Prendes-me no freio
Rasgas-me a carne
Bates-me na alma

Com toda a força
Do teu desamor.

Eu quebro perdida
Triste
Enlouquecida

Por te amar
[sem mais]
Demais.


Rita Sá
17/12/1999

terça-feira, outubro 23, 2007

uma vida

Caminho
um rasto breve
de passos

o leve suspiro
da brisa

o brilho fugaz da lua
na areia tépida

logo diluídos
nos rumores da maré


Carlos Alberto Silva

segunda-feira, outubro 22, 2007

Eu queria trazer-te uns versos muito lindos



Eu queria trazer-te uns versos muito lindos
colhidos no mais íntimo de mim...
Suas palavras
seriam as mais simples do mundo,
porém não sei que luz as iluminaria
que terias de fechar teus olhos para as ouvir...
Sim! Uma luz que viria de dentro delas,
como essa que acende inesperadas cores
nas lanternas chinesas de papel!
Trago-te palavras, apenas... e que estão escritas
do lado de fora do papel... Não sei, eu nunca soube o que dizer-te
e este poema vai morrendo, ardente e puro, ao vento
da Poesia...
como
uma pobre lanterna que incendiou!


Mário Quitana

"Estes versos são publicados nesta data, 30 de julho de 2006, como uma homenagem ao poeta Mario Quintana, que estaria completando 100 anos de idade, se vivo fosse."

Extraído do livro "Quintana de bolso", Editora LP&M Pocket - Porto Alegre (RS), 2006, pág. 59, seleção de Sergio Faraco.

Ainda ontem pensava que não era



Ainda ontem pensava que não era
mais do que um fragmento trémulo sem ritmo
na esfera da vida.
Hoje sei que sou eu a esfera,
e a vida inteira em fragmentos rítmicos move-se em mim.


Eles dizem-me no seu despertar:
"Tu e o mundo em que vives não passais de um grão de areia
sobre a margem infinita
de um mar infinito."


E no meu sonho eu respondo-lhes:
"Eu sou o mar infinito,
e todos os mundos não passam de grãos de areia
sobre a minha margem."


Só uma vez fiquei mudo.
Foi quando um homem me perguntou:
"Quem és tu?"


Kahlil Gibran
Areia e Espuma
Coisas de Ler

Notas para o diário



deus tem que ser substituído rapidamente por poe-
mas, sílabas sibilantes, lâmpadas acesas, corpos palpáveis,
vivos e limpos.

a dor de todas as ruas vazias.

sinto-me capaz de caminhar na língua aguçada deste
silêncio. e na sua simplicidade, na sua clareza, no seu abis-
mo.
sinto-me capaz de acabar com esse vácuo, e de aca-
bar comigo mesmo.

a dor de todas as ruas vazias.

mas gosto da noite e do riso de cinzas. gosto do
deserto, e do acaso da vida. gosto dos enganos, da sorte e
dos encontros inesperados.
pernoito quase sempre no lado sagrado do meu cora-
ção, ou onde o medo tem a precaridade doutro corpo.

a dor de todas as ruas vazias.

pois bem, mário - o paraíso sabe-se que chega a lis-
boa na fragata do alfeite. basta pôr uma lua nervosa no
cimo do mastro, e mandar arrear o velame.

é isto que é preciso dizer: daqui ninguém sai sem
cadastro.

a dor de todas as ruas vazias.

sujo os olhos com sangue. chove torrencialmente. o
filme acabou. não nos conheceremos nunca.

a dor de todas as ruas vazias.

os poemas adormeceram no desassossego da idade.
fulguram na perturbação de um tempo cada dia mais
curto. e, por vezes, ouço-os no transe da noite. assolam-me
as imagens, rasgam-me as metáforas insidiosas, porcas. ..e
nada escrevo.
o regresso à escrita terminou. a vida toda fodida - e
a alma esburacada por uma agonia tamanho deste mar.

a dor de todas as ruas vazias.



Al-Berto
Horto de Incêndio
Assírio & Alvim
3ª edição - Dezembro 2000



"(...) mergulharam como tubarões mansos por baixo dos móveis e das
camas e resgataram do fundo da luz as coisas que durante anos
tinham-se perdido na escuridão."



No Natal os meninos tornaram a pedir um barco a remos.

— De acordo — disse o pai —, vamos comprá-lo quando voltarmos a Cartagena.

Totó, de nove anos, e Joel, de sete, estavam mais decididos do que seus pais achavam.

— Não — disseram em coro. — Precisamos dele agora e aqui.

— Para começar — disse a mãe —, aqui não há outras águas navegáveis além da que sai do chuveiro.

Tanto ela como o marido tinham razão. Na casa de Cartagena de Índias havia um pátio com um atracadouro sobre a baía e um refúgio para dois iates grandes. Em Madri, porém, viviam apertados no quinto andar do número 47 do Paseo de la Castellana. Mas no final nem ele nem ela puderam dizer não, porque haviam prometido aos dois um barco a remos com sextante e bússola se ganhassem os louros do terceiro ano primário, e tinham ganhado. Assim sendo, o pai comprou tudo sem dizer nada à esposa, que era a mais renitente em pagar dívidas de jogo. Era um belo barco de alumínio com um fio dourado na linha de flutuação,

— O barco está na garagem — revelou o pai na hora do almoço.— O problema é que não tem jeito de trazê-lo pelo elevador ou pela escada, e na garagem não tem mais lugar.

No entanto, na tarde do sábado seguinte, os meninos convidaram seus colegas para carregar o barco pelas escadas, e conseguiram levá-lo até o quarto de empregada.

— Parabéns — disse o pai. — E agora?

— Agora, nada - disseram os meninos. — A única coisa que a gente queria era ter o barco no quarto, e pronto.

Na noite de quarta-feira, como em todas as quartas-feiras, os pais foram ao cinema. Os meninos, donos e senhores da casa, fecharam portas e janelas, e quebraram a lâmpada acesa de um lustre da sala. Um jorro de luz dourada e fresca feito água começou a sair da lâmpada quebrada, e deixaram correr até que o nível chegou a quatro palmos. Então desligaram a corrente, tiraram o barco, e navegaram com prazer entre as ilhas da casa.

Esta aventura fabulosa foi o resultado de uma leviandade minha quando participava de um seminário sobre a poesia dos utensílios domésticos. Totó me perguntou como era que a luz acendia só com a gente apertando um botão, e não tive coragem para pensar no assunto duas vezes.

— A luz é como a água — respondi. — A gente abre a torneira e sai.

E assim continuaram navegando nas noites de quarta-feira, aprendendo a mexer com o sextante e a bússola, até que os pais voltavam do cinema e os encontravam dormindo como anjos em terra firme. Meses depois, ansiosos por ir mais longe, pediram um equipamento de pesca submarina. Com tudo: máscaras, pés-de-pato, tanques e carabinas de ar comprimido.

— Já é ruim ter no quarto de empregada um barco a remos que não serve para nada.
— disse o pai — Mas pior ainda é querer ter além disso equipamento de mergulho.

— E se ganharmos a gardênia de ouro do primeiro semestre? — perguntou Joel.

— Não - disse a mãe, assustada. — Chega. O pai reprovou sua intransigência.

— É que estes meninos não ganham nem um prego por cumprir seu dever — disse ela —, mas por um capricho são capazes de ganhar até a cadeira do professor.

No fim, os pais não disseram que sim ou que não. Mas Totó e Joel, que tinham sido os últimos nos dois anos anteriores, ganharam em julho as duas gardênias de ouro e o reconhecimento público do diretor. Naquela mesma tarde, sem que tivessem tornado a pedir, encontraram no quarto os equipamentos em seu invólucro original. De maneira que, na quarta-feira seguinte, enquanto os pais viam O Último Tango em Paris, encheram o apartamento até a altura de duas braças, mergulharam como tubarões mansos por baixo dos móveis e das camas, e resgataram do fundo da luz as coisas que durante anos tinham-se perdido na escuridão.


Na premiação final os irmãos foram aclamados como exemplo para a escola e ganharam diplomas de excelência. Desta vez não tiveram que pedir nada, porque os pais perguntaram o que queriam. E eles foram tão razoáveis que só quiseram uma festa em casa para os companheiros de classe.

O pai, a sós com a mulher, estava radiante. — É uma prova de maturidade — disse.

— Deus te ouça — respondeu a mãe.

Na quarta-feira seguinte, enquanto os pais viam A Batalha de Argel, as pessoas que passaram pela Castellana viram uma cascata de luz que caía de um velho edifício escondido entre as árvores. Saía pelas varandas, derramava-se em torrentes pela fachada, e formou um leito pela grande avenida numa correnteza dourada que iluminou a cidade até o Guadarrama.

Chamados com urgência, os bombeiros forçaram a porta do quinto andar, e encontraram a casa coberta de luz até o teto. O sofá e as poltronas forradas de pele de leopardo flutuavam na sala a diferentes alturas, entre as garrafas do bar e o piano de cauda com seu xale de Manilha que agitava-se com movimentos de asa a meia água como uma arraia de ouro. Os utensílios domésticos, na plenitude de sua poesia, voavam com suas próprias asas pelo céu da cozinha. Os instrumentos da banda de guerra, que os meninos usavam para dançar, flutuavam a esmo entre os peixes coloridos liberados do aquário da mãe, que eram os únicos que flutuavam vivos e felizes no vasto lago iluminado. No banheiro flutuavam as escovas de dentes de todos, os preservativos do pai, os potes de cremes e a dentadura de reserva da mãe, e o televisor da alcova principal flutuava de lado, ainda ligado no último episódio do filme da meia-noite proibido para menores.

No final do corredor, flutuando entre duas águas, Totó estava sentado na popa do bote, agarrado aos remos e com a máscara no rosto, buscando o farol do porto até o momento em que houve ar nos tanques de oxigênio, e Joel flutuava na proa buscando ainda a estrela polar com o sextante, e flutuavam pela casa inteira seus 37 companheiros de classe, eternizados no instante de fazer xixi no vaso de gerânios, de cantar o hino da escola com a letra mudada por versos de deboche contra o diretor, de beber às escondidas um copo de brandy da garrafa do pai. Pois haviam aberto tantas luzes ao mesmo tempo que a casa tinha transbordado, e o quarto ano elementar inteiro da escola de São João Hospitalário tinha se afogado no quinto andar do número 47 do Paseo de la Castellana. Em Madri de Espanha, uma cidade remota de verões ardentes e ventos gelados, sem mar nem rio, e cujos aborígines de terra firme nunca foram mestres na ciência de navegar na luz.


Dezembro de 1978


Gabriel Garcia Marquez

sexta-feira, outubro 19, 2007

O relógio não para

A tua imagem ainda cravada no caderno; o teu cheiro que se funde com o ar, torna-se intragávelEsboço sorrisos do passado, a medo mas teus..Percorro cada passo teu deixado pelos cantos da casa; bebo da tua caneca, beijo a imaginaçãoonde perduras sem dó.Regresso lentamente ao presente.Os ponteiros do relógio continuam a dar sinal de vida e cada vez mais rápido andam às voltinhas...Saio à rua, onde me misturo com seres perdidos, flores belas(outras podres)..Caminho sem noção da direcção que devo tomar.Entro em ruelas estreitas, alguns becos sem saída que me fazem teimosamente voltar para trásTrago comigo apenas a tshirt do che rasgada e suja colada ao corpo, uma caneta já quase sem carga no bolso de tráse uma folha amachucada entre os dedos.Entro num jardim (nada de especial, apenas um jardim) deito-me na relva (apenas relva igual às outras tantas)e olho o sol...Relembro o passado (como sempre o fiz, como sempre o faço)agarro na caneta e escrevo no ar palavras sem nexo..A folha de papel rasgo-a em pedacinhos e atiro.os para bem longe (não sei bem o porque, apeteceu -me apenas fazê-lo)Balbucio algumas parvoíces sem sentido algum...mas recordo-me de ti..como tu davas tanta importância às minhas loucuras; ao meus DASSE...às merdas que eu dizia e fazia..Lembro-me de transformares cada gesto meu, cada palavra minha (por mais parva que tenha sido) e as transformavas empequenos rios de luz que iluminavam toda a noite...Levanto-me e volto a casa. Olho à minha volta e reparo nos objectos espalhados pelo chão, livros fora dos lugares, as tuas cartas, os teus mails[ e eu fazia questão de não arrumar nada, para te lembrar sempre que passeava pelacasa]Enrolo-me num lençol e observo a luz ténue que entra pela janelinha da sala; sento-me no chãoe reparo nas paredes, escrupulosamente alinhadas, parte de mim a escorrer, o que sinto por ti (ou o que sinto, ou melhor o que eu penso sentirpor ti)Crio sombras indecifráveis, mortos que passeiam pela minha pele deixando um rasto viscoso da vida que levaramO dia acaba, a escuridão da noite mergula na minha intimidade (já arrancada)Uma íbis de cristal entra-me pelo corpo percorrendo todas as minhas veiaslevando-me, completamente, à loucura;Fico quieto, amedrontado até ela se soltar dentro de mim e as coisas se tornarem mais perecíveis a mim e ao "mundo".Cansei-me de te percorrer pelos vazios da noite e no mais profundo da solidão.Volto a fazer esboços, mas agora desenho o qeu é real, os sorrisos que passam diante a minha portarecordo.te tornando o mar, não algo de imaginário ou impossivel de navegar, mas em algo doce e meigo;tornando o relógio suportável de se ouvir e apreciar..recordo.te deixando a íbis de cristal voar entre as sombras dos cadáveres perdidos no vácuo da vida(?) edos animais indecífraveis, efémeros, tristes...Não serás mais uma loucura mas uma recordação deliciosa que escondo que teimo em guardar na gavetado meu armário.

Espera ansiosa

É com uma espera ansiosa que as horas vão passando. no estômago sinto uma mó capaz de triturar coisas da melhor e pior espécie. não vens. não dizes nada e eu com raiva. não sei bem se é raiva ou se é qualquer coisa que se sente quando esperamos e a espera não acaba. é qualquer coisa consequente a uma espera, porque preciso de atenção. e tu não vens. ganho vontade de te odiar. secalhar já te odeio mas, sei também que te amo. estas esperas assim devem ser de quem odeia ou então, são esperas ansiosas, de quem ama. as duas coisas. uma mais que a outra, qual delas a maior não sei. a maior é a espera em si, a espera com o ódio e o amor juntos. uma história num quarto, onde a espera assume o comando das palavras. em todas as mãos, em todos os dedos, a espera. cabeça pousada nas mãos e nos dedos. as mãos e os dedos a coçar e a sacudir os cabelos com desespero. na barriga, perto do estômago mas no lado de fora da pele, as mãos e os dedos amassam a carne na esperança de o apaziguar. a espera é uma guerra. o mundo numa guerra cá dentro, até nas entrenhas. o estômago parece-me que sobe à cabeça, os braços ficam-me moles e sem força. a ânsia da espera corre-me no corpo todo. e tu não vens. não dizes nada. amo-te. odeio a espera com ânsia. tu dás-me e fazes-me sentir as duas coisas. amo-te e odeio-te. a minha cabeça já é o estômago. as minhas mãos já não são o mártir da espera, são o transporte entre a realidade e o sangue. alguma coisa vincada na pele desesperada faz-me sangrar. e tu não vens. não dizes nada.


Hugo Sousa

O amor, quando se revela...


O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente
Cala: parece esquecer

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pra saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...


Fernando Pessoa

Alberto Caeiro

Mundo Mulher


I


Há uma mulher para tudo
Na mulher há um mundo que é de todos



II


A mulher é a primeira infância da terra
e a última ruga do rosto


Joaquim António Emílio
In Os dias sonâmbulos

Mulher, a Ilha


São colinas os teus seios de bruma,
espaço húmido onde navegam barcos
de saudade;
mulher, que por maravilha
de ser rocha ou água,
é cais onde embarca toda a angústia.
Nos teus olhos cresceu do mar a nostalgia
e ficou a brisa cansada da volta
enquanto crescem musgos na ilha
trazendo consigo o cheiro a maresia.


Avelina da Silveira
In Num risco de pássaros

Mulher


Uma geografia
sempre a ser descoberta
obscura e secreta
como a solidão.
...
Em silêncio
a intimidade feminina
acende o mistério
que faz lembrar
o aroma dos devaneios
que transporta
o fim da tarde.


Almandrade

Nem a rosa, nem o cravo...

Jorge Amado


As frases perdem seu sentido, as palavras perdem sua significação costumeira, como dizer das árvores e das flores, dos teus olhos e do mar, das canoas e do cais, das borboletas nas árvores, quando as crianças são assassinadas friamente pelos nazistas? Como falar da gratuita beleza dos campos e das cidades, quando as bestas soltas no mundo ainda destroem os campos e as cidades?

Já viste um loiro trigal balançando ao vento? É das coisas mais belas do mundo, mas os hitleristas e seus cães danados destruíram os trigais e os povos morrem de fome. Como falar, então, da beleza, dessa beleza simples e pura da farinha e do pão, da água da fonte, do céu azul, do teu rosto na tarde? Não posso falar dessas coisas de todos os dias, dessas alegrias de todos os instantes. Porque elas estão perigando, todas elas, os trigais e o pão, a farinha e a água, o céu, o mar e teu rosto. Contra tudo que é a beleza cotidiana do homem, o nazifascismo se levantou, monstro medieval de torpe visão, de ávido apetite assassino. Outros que falem, se quiserem, das árvores nas tardes agrestes, das rosas em coloridos variados, das flores simples e dos versos mais belos e mais tristes. Outros que falem as grandes palavras de amor para a bem-amada, outros que digam dos crepúsculos e das noites de estrelas. Não tenho palavras, não tenho frases, vejo as árvores, os pássaros e a tarde, vejo teus olhos, vejo o crepúsculo bordando a cidade. Mas sobre todos esses quadros bóiam cadáveres de crianças que os nazis mataram, ao canto dos pássaros se mesclam os gritos dos velhos torturados nos campos de concentração, nos crepúsculos se fundem madrugadas de reféns fuzilados. E, quando a paisagem lembra o campo, o que eu vejo são os trigais destruídos ao passo das bestas hitleristas, os trigais que alimentavam antes as populações livres. Sobre toda a beleza paira a sombra da escravidão. É como u'a nuvem inesperada num céu azul e límpido. Como então encontrar palavras inocentes, doces palavras cariciosas, versos suaves e tristes? Perdi o sentido destas palavras, destas frases, elas me soam como uma traição neste momento.

Mas sei todas as palavras de ódio, do ódio mais profundo e mais mortal. Eles matam crianças e essa é a sua maneira de brincar o mais inocente dos brinquedos. Eles desonram a beleza das mulheres nos leitos imundos e essa é a sua maneira mais romântica de amar. Eles torturam os homens nos campos de concentração e essa é a sua maneira mais simples de construir o mundo. Eles invadiram as pátrias, escravizaram os povos, e esse é o ideal que levam no coração de lama. Como então ficar de olhos fechados para tudo isto e falar, com as palavras de sempre, com as frases de ontem, sobre a paisagem e os pássaros, a tarde e os teus olhos? É impossível porque os monstros estão sobre o mundo soltos e vorazes, a boca escorrendo sangue, os olhos amarelos, na ambição de escravizar. Os monstros pardos, os monstros negros e os monstros verdes.

Mas eu sei todas as palavras de ódio e essas, sim, têm um significado neste momento. Houve um dia em que eu falei do amor e encontrei para ele os mais doces vocábulos, as frases mais trabalhadas. Hoje só 0 ódio pode fazer com que o amor perdure sobre o mundo. Só 0 ódio ao fascismo, mas um ódio mortal, um ódio sem perdão, um ódio que venha do coração e que nos tome todo, que se faça dono de todas as nossas palavras, que nos impeça de ver qualquer espetáculo - desde o crepúsculo aos olhos da amada - sem que junto a ele vejamos o perigo que os cerca.

Jamais as tardes seriam doces e jamais as madrugadas seriam de esperança. Jamais os livros diriam coisas belas, nunca mais seria escrito um verso de amor. Sobre toda a beleza do mundo, sobre a farinha e o pão, sobre a pura água da fonte e sobre o mar, sobre teus olhos também, se debruçaria a desonra que é o nazifascismo, se eles tivessem conseguido dominar o mundo. Não restaria nenhuma parcela de beleza, a mais mínima. Amanhã saberei de novo palavras doces e frases cariciosas. Hoje só sei palavras de ódio, palavras de morte. Não encontrarás um cravo ou uma rosa, uma flor na minha literatura. Mas encontrarás um punhal ou um fuzil, encontrarás uma arma contra os inimigos da beleza, contra aqueles que amam as trevas e a desgraça, a lama e os esgotos, contra esses restos de podridão que sonharam esmagar a poesia, o amor e a liberdade!


O texto acima foi publicado no jornal "Folha da Manhã", edição de 22/04/1945, e consta do livro "Figuras do Brasil: 80 autores em 80 anos de Folha", PubliFolha - São Paulo, 2001, pág. 79, organização de Arthur Nestrovski.

quinta-feira, outubro 18, 2007

Há quem espreite por uma ranhura
Quem não encare a vida de frente
Vivendo só ao sabor da corrente
Fugindo de toda a aventura

Prende o medo que te enclausura
A morte está sempre iminente
Deste modo, goza bem o presente
A vida não é uma fechadura

Aproveita bem a tua passagem
Nunca temas assumir a derrota
Vive feliz durante a viagem

Bebe o licor que da vida brota
Ébrio de amor e coragem
Define a tua própria rota



RHS

“Se, por um instante, Deus se esquecesse que sou uma marioneta de trapo e me oferecesse mais um pouco de vida, não diria tudo o que penso mas pensaria tudo o que digo. Daria valor às coisas, não pelo que valem, mas pelo que significam.
Dormiria pouco, sonharia mais, porque entendo que por cada minuto que fechamos os olhos perdemos sessenta segundos de luz. Andaria quando os outros param, acordaria quando os outros dormem. Ouviria quando os outros falam e como desfrutaria um bom gelado de chocolate!
Se Deus me oferecesse um pouco de vida, vestir-me-ia de forma simples, deixando a descoberto não apenas o meu corpo, mas também a minha alma.
Meu Deus, se eu tivesse um coração, escreveria o meu ódio sobre o gelo e esperava que nascesse o sol. Pintaria com um sonho de Van Gogh sobre as estrelas de um poema de Benedetti e uma canção de Serrat seria a serenata que eu ofereceria à Lua !
Regaria as rosas com as minhas lágrimas para sentir a dor dos seus espinhos e o beijo encarnado das suas pétalas...
Meu Deus, se eu tivesse um pouco de vida...não deixaria passar um só instante sem dizer às pessoas de quem gosto que gosto delas. Convenceria cada mulher ou homem que é o meu favorito e viveria apaixonado pelo amor.
Aos homens provar-lhes-ia como estão equivocados ao pensar que deixam de se apaixonar quando envelhecem, sem saberem que envelhecem quando deixam de se apaixonar! A uma criança, dar-lhe-ia asas, mas teria de aprender a voar sozinha. Aos velhos ensinar-lhes-ia que a morte não chega com a velhice, mas com o esquecimento.
Tantas foram as coisas que aprendi com vocês, os homens! Aprendi que todo o mundo quer viver em cima da montanha, sem saber que a verdadeira felicidade está em subir a encosta...
Aprendi que, quando um recém-nascido aperta, com a sua pequena mão, pela primeira vez, o dedo de seu pai, o tem agarrado para sempre.
Aprendi que um homem só tem direito a olhar outro de cima para baixo quando vai ajudá-lo a levantar-se...
São tantas as coisas que pude aprender com vocês, mas não me irão servir realmente de muito, porque, quando me guardarem dentro dessa maleta, infelizmente estarei a morrer...”


Gabriel Garcia Marquez

Sonho de amor




I


Quando me cerca a noite
e a insónia traz a dor
de tanta dor passada,
eu chamo o teu sorriso
e a noite fica toda
iluminada...



II


O sonho dos teus olhos
nos meus olhos,
eu não quero perdê-lo...
Fiquemos por aqui,
que um pouco mais
tombamos nos escolhos
do meu destino...
Sem teu sorriso
para sonhar,
a permitir-me que,
na treva imensa,
pare um instante,
a descansar...


Sara Maria Tiago
In Vagueando no Tempo

OUSAR…


Quis, um dia, descer pela maresia
E ousar amanhecer no fundo do mar.


Sandra Costa
In Sob a luz do mar

Passado




Se todo o ser ao vento abandonamos
E sem medo nem dó nos destruímos,
Se morremos em tudo o que sentimos
E podemos cantar, é porque estamos
Nus em sangue, embalando a própria dor
Em frente às madrugadas do amor.
Quando a manhã brilhar refloriremos
E a alma possuirá esse esplendor
Prometido nas formas que perdemos.
Aqui, deposta enfim a minha imagem,
Tudo o que é jogo e tudo o que é passagem.
No interior das coisas canto nua.
Aqui livre sou eu - eco da lua
E dos jardins, os gestos recebidos
E o tumulto dos gestos pressentidos
Aqui sou eu em tudo quanto amei.
Não pelo meu ser que só atravessei,
Não pelo meu rumor que só perdi,
Não pelos incertos actos que vivi,
Mas por tudo de quanto ressoei
E em cujo amor de amor me eternizei.


Sophia de Mello Breyner Andresen

Aqui Estou

Aqui estou, no encontro dos caminhos
no sítio onde os olhares se dobram de terror...
Quando a minha voz disse não e a vontade e o espelho
havia acordo e sonho e flores para abrir.
Quando as minhas mãos escorriam de ternura
havia liberdade e os meus pés descalços
recortavam em sombra a única lisura.

Que lindo o que eu sonhei, que paz e que mistério
que grande força sem lágrimas no mar. . .
Agora estou dorida, morreram-me os cabelos
nos dedos que pediam caiu uma agonia,
as cordas já cortadas tornaram a me ligar.
Na noite que me seque eu quisera sorver
toda a ausência directa do possuir e do ter,
fugida na floresta escondida na giesta
morder aquela terra fecunda em que me sei.
Sem luta, a navegar, um barco branco e meu
sem timoneiro nem rota marcando-me o destino
singrando sob a lua, bebendo o sol dos dias
tão só e o grande olhar de Deus,
deitado ao pé de mim.

Assim correr, ser livre, criar e ter prazer
aquele só prazer igual ao que já sou
uma lira, um canto, uma harmonia enfim
serena, bela, doce e sem violência louca.
Idade duma rosa colhida na manhã
vibrando no calor as pétalas a abrir
surpresa vegetal da vida que se inflama
com o caule cortado e sem poder sorrir.

Quem livre me deixasse dormir na minha planta
este acordo supremo dos membros do amor,
sem traição, sem corte, e só aquele manso
sorver da terra a seiva para poder florir.
Ai, mar em que me banho e que livre me deixas
miragem do meu ritmo, partida para além
meu doce só saber braços, pernas, seios, beijos,
e toda a maravilha de ser sem mais ninguém.


Salette Tavares

quarta-feira, outubro 17, 2007

Mania do suicídio



Às vezes tenho desejos
de me aproximar serenamente
da linha dos eléctricos
e me estender sobre o asfalto
com a garganta pousada no carril polido.
Estamos cansados
e inquietam-nos trinta e um
problemas desencontrados.
Não tenho coragem de pedir emprestados
os duzentos escudos
e suportar o peso de todas as outras cangas.
Também não quero morrer
definitivamente.
Só queria estar morto até que isto tudo
passasse.
Morrer periodicamente.
Acabarei por pedir os duzentos escudos
e suportar todas as cangas.
De resto, na minha terra
não há eléctricos.


Rui Knopfli
Em Mémoria Consentida

Liberdade



É em ti que me encontro.
Nos bosques
no voo dos pássaros
na procura da perfeição
na calosa mão
de quem trabalha.
Nos comboios partindo para longe
deixando atrás de si
uma nuvem de vento e de fumo...
Na rádio na televisão
no café no emprego
nas palavras com que não renego
o caminho verdadeiro.
É em ti que ouso...
Na mística que nasce
no caminhar livre pelas ruas
nas minhas mãos
iguais às tuas
Construindo o amanhã.


Vitor-Luis Grilo
In 39 Poemas de Vidamar

Preto ou Branco




A folha em branco assusta
que nunca a folha
fique em branco
muito tempo

tantas pessoas
não estão em branco
tantos sentimentos
todo o amor
toda a dor
paixão revolta
do mundo
tem que ser
imortalizada sacralizada
nas folhas
vazias em branco

senão
como seria possível
aos burros
que queimam folhas
livros pessoas
emoções vida
serem bestas?

ou
aos não tão burros
que ocultam
ou ignoram conscientes
abafarem?

uuuuhhhh!


Von Trina
In Só o amor

terça-feira, outubro 16, 2007

Nem sempre sou igual no que digo e escrevo.
Mudo, mas não mudo muito.
A cor das flores não é a mesma ao sol
De que quando uma nuvem passa
Ou quando entra a noite
E as flores são cor da sombra.
-
Mas quem olha bem vê que são as mesmas flores.
Por isso quando pareço não concordar comigo,
Reparem bem para mim:
Se estava virado para a direita,
Voltei-me agora para a esquerda,
Mas sou sempre eu, assente sobre os meus pés

O mesmo sempre, graças ao céu e à terra
E aos meus olhos e ouvidos atentos
E à minha clara simplicidade de alma...
-
-
-
Alberto Caeiro
-
-

Encantamento


Vi as mulheres azuis do equinócio
voarem como pássaros cegos; e os seus corpos
sem asas afogarem-se, devagar, nos lagos
vulcânicos. Os seus lábios vomitavam o fogo
que traziam de uma infância de magma
calcinado. A água ficava negra, à sua volta;
e os ramos das plantas submersas pelas chuvas
primaveris abraçavam-nas, puxando-as num
estertor de imagens. Tapei-as com o cobertor
do verso; estendi-as na areia grossa
da margem, vendo as cobras de água fugirem
por entre os canaviais. Espreitei-lhes
o sexo por onde escorria o líquido branco
de um início. Pude dizer-lhes que as amava,
abraçando-as, como se estivessem vivas; e
ouvi um restolhar de crianças por entre
os arbustos, repetindo-me as frases com uma
entoação de riso. Onde estão essas mulheres?
Em que leito de rio dormem os seus corpos,
que os meus dedos procuram num gesto
vago de inquietação? Navego contra a corrente;
procuro a fonte, o silêncio frio de uma génese.

Nuno Júdice

Outro Testamento




Quando eu morrer deitem-me nu à cova
Como uma libra ou uma raiz,
Dêem a minha roupa a uma mulher nova
Para o amante que a não quis.

Façam coisas bonitas por minha alma:
Espalhem moedas, rosas, figos.
Dando-me terra dura e calma,
Cortem as unhas aos meus amigos.

Quando eu morrer mandem embora os lírios:
Vou nu, não quero que me vejam
Assim puro e conciso entre círios vergados.
As rosas sim; estão acostumadas
A bem cair no que desejam:
Sejam as rosas toleradas.
Mas não me levem os cravos ásperos e quentes
Que minha Mulher me trouxe:
Ficam para o seu cabelo de viúva,
Ali, em vez da minha mão;
Ali, naquela cara doce...
Ficam para irritar a turba
E eu existir, para analfabetos, nessa correcta irritação.

Quando eu morrer e for chegando ao cemitério,
Acima da rampa,
Mandem um coveiro sério
Verificar, campa por campa
(Mas é batendo devagarinho
Só três pancadas em cada tampa,
E um só coveiro seguro chega),
Se os mortos têm licor de ausência
(Como nas pipas de uma adega
Se bate o tampo, a ver o vinho):
Se os mortos têm licor de ausência
Para bebermos de cova a cova,
Naturalmente, como quem prova
Da lavra da própria paciência.

Quando eu morrer. . .
Eu morro lá!
Faço-me morto aqui, nu nas minhas palavras,
Pois quando me comovo até o osso é sonoro.

Minha casa de sons com o morador na lua,
Esqueleto que deixo em linhas trabalhado:
Minha morte civil será uma cena de rua;
Palavras, terras onde moro,
Nunca vos deixarei.

Mas quando eu morrer, só por geometria,
Largando a vertical, ferida do ar,
Façam, à portuguesa, uma alegria para todos;
Distraiam as mulheres, que poderiam chorar;
Dêem vinho, beijos, flores, figos a rodos,
E levem-me - só horizonte - para o mar.


Vitorino Nemésio

Desalento

Sim, vai e diz
Diz assim
Que eu chorei
Que eu morri
De arrependimento
Que o meu desalento
Já não tem mais fim
Vai e diz
Diz assim
Como sou
Infeliz
No meu descaminho
Diz que estou sozinho
E sem saber de mim

Diz que eu estive por pouco
Diz a ela que estou louco
Pra perdoar
Que seja lá como for
Por amor
Por favor
É pra ela voltar

Sim, vai e diz
Diz assim
Que eu rodei
Que eu bebi
Que eu caí
Que eu não sei
Que eu só sei
Que cansei, enfim
Dos meus desencontros
Corre e diz a ela
Que eu entrego os pontos


Vinicius de Moraes

segunda-feira, outubro 15, 2007

para lá da solidão


para lá da solidão
que eu inventei
e vesti

outro cais se desenhava
na névoa dum novo dia

e tu vieste
e embarquei

e só então descobri
que antes de ti
não vivia.


Vieira da Silva

(O soneto que só errado ficou certo)

Se eu pudesse iluminar por dentro as palavras de todos os dias
para te dizer, com a simplicidade do bater do coração,
que afinal ao pé de ti apenas sinto as mãos mais frias
e esta ternura dos olhos que se dão.

Nem asas, nem estrelas, nem flores sem chão
- mas o desejo de ser a noite que me guias
e baixinho ao bafo da tua respiração
contar-te todas as minhas covardias.

Ao pé de ti não me apetece ser herói
mas abrir-te mais o abismo que me dói
nos cardos deste sol de morte viva.

Ser como sou e ver-te como és:
dois bichos de suor com sombra aos pés.
Complicações de luas e saliva


José Gomes Ferreira

Não sei quantas almas tenho

Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo:"Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.


Alberto Caeiro


Como caem as árvores

eu caio e caindo caio como as folhas

e as sombras caem devagar e leves

e oiço-os chorar e falar comigo

e não posso responder enquanto caio porque se respondesse

que diria senão que me abato como se abateram

outrora o meu pai a minha mãe o meu marido

de repente calados e imóveis e assim brancos

como a luz nesta casa tão branca sobre os móveis brancos

os espelhos devolvem o silêncio e as lágrimas deles

e amanhã subirão comigo lá acima

e sem palavras para além das do padre

voltarão o meu rosto na direcção do sol.


António Lobo Antunes

Guarda-me...

Guarda-me enquanto trago na pele a volubilidade do sangue e,
da divindade irrepetível,
destilamos instantes na salina húmida dos gestos.

(São da morte o pensamento ponderado,
a dança cautelosa e anunciada,
a medição meticulosa das horas.)

Guarda-me agora:
- também os vasos bebem a resina dos pinheiros
e o sol cai a pique sobre o dia, como se voasse.


© Ana Alves

sexta-feira, outubro 12, 2007

Sobre o meu coração

Sobre o meu coração ainda vibram seus pés: a alta
formosura do ouro. E se acordo e me agito,
minha mão entreabre o subtil arbusto
de fogo - e eu estou imensamente vivo.
Agora, nada sei. Se com a neve e o mosto dei ao tempo
a medida secreta, na minha vida tumultuam
os rostos mais antigos. Não sei
o que é a morte. Enchia com meu desejo
o vestíbulo da primavera, eu próprio me tornava uma árvore
abismada e cantante. E a beleza é uma chama
solitária, um dardo que atravessa
o sono doloroso. Dos mortos, nada sei.
E de mim - onde deixaram os pés sombrios, o súbito
fulgor da ausência - de mim, vivo e ofegante,
sei uma flor de coral: delicada e vermelha.


Porque morrem assim no interior do vinho, quando
cantam e se extasiam? Porque morrem seus ombros onde
se derramavam as videiras e as escadas subiam?
Um a um vão nascendo meus mudáveis
pensamentos, e eu digo: porque morrem
os que tinham a carne com seu peso e milagre e sorriam
sobre a mesa
como seres imortais?


E agora é a minha vida que se fecha - assombrada.
A vida funda e selvagem. Porque um dia,
como se depaupera e desfaz a presença de um cacho,
o brilho se apagará onde estava a minha letra.
Dançarei uma só vez, em redor da taça,
festejando a última estação. Hoje,
nada sei. Correm em mim os mortos, como água -
com o murmúrio gelado da sua incalculável ausência.


E eu digo: não refulgia a carne quando
a primavera inclinava a cabeça sobre a sua confusão?
Não dormiam junto ao mosto com lírios no pensamento?
Ei-los em mim, absurdos e puros, e digo: se havia
tanto ouro, dentro e à volta deles, porque
se extinguiram?


Agora, nada sei. Eu próprio serei uma espuma
absorta e casta, algures num coração,
e nesse coração se erguerá uma onda de púrpura,
um terrível amor.


Porque meu coração era firme e de ouro, e eu cantava.


Herberto Helder
Elegia Múltipla, poema II
in Poesia Toda

Não me arrepedendo





não me arrependo das horas que perdi a esperar-te
quando ainda havia a esperança, a esperança que
havia ainda quando, a esperar-te, perdi horas de que
não me arrependo.

um instante na memória de chegares é mais valioso
do que jardins. do que montanhas. do que anos de
tempo.

arrependo-me de ficar ao sol, de sorrir, de esquecer
que devagar passam os dias. os dias passam devagar,
esquecendo-se de sorrir ao sol e de ficar onde me
arrependo.


JOSÉ LUIS PEIXOTO
In A Casa, a Escuridão

Cidade dos Tolos

Energia, magia dos tolos,
Guia máquinas pelo o
Caminho da inocência,
Transforma algo natural em
Pedaços de matéria intragável.
Movimento e metal, palavras de ordem que coordenam
O dia-a-dia,
Regendo o mundo numa antologia materialista.
Fragmentos de vida aparecem riscados, comandando o mundo dos metais,
Gigantes de vários olhos abrem as suas portas
Aos mestres,
Carregados e despejados pelo o Sol
Desprezo, sarcasmo e indiferença –
São os carros conduzidos por uma estrada que leva e indica o
Caminho da rotina.
E no mundo dos vivos, a esse conduzir
Chama-se viver.
As luzes trocam-se e trocam as voltas ao condutores,
Os olhos dos gigantes adormecem,
Uns levemente, outros de uma só vez;
O Sol poisa entre eles, deixando a sua alaranjada luz, serenamente,
Tomando lugar a Lua.
A cidade frenética dorme.
Adormece.
Deixa que o caminho se restaure, se preencha de novo
Para um novo amanhecer.
A pele do gigante é como um espelho sujo
Dos sobreviventes.
Os condutores choram.
Ansiedade, cansaço, sãos os reis desta hora;
Amortizam a corrida, e ao mesmo tempo aceleram-na.
Elementos verdes rasgam a pele do gigante,
Tentando dar um outra
Cor ao espelho sujo.
Sons alucinantes fazem trepidar os
Pedestres, e L´argent torna-se
Pensamento inesquecível numa tentativa de amainar o
Negativismo e esforço gastos neste dia.
A cidade adormece.
O Pai gigante dorme, e assim energia, magia dos tolos, adormece também...
portas
Aos mestres,
Carregados e despejados pelo o Sol
Desprezo, sarcasmo e indiferença –
São os carros conduzidos por uma estrada que leva e indica o
Caminho da rotina.
E no mundo dos vivos, a esse conduzir
Chama-se viver.
As luzes trocam-se e trocam as voltas ao condutores,
Os olhos dos gigantes adormecem,
Uns levemente, outros de uma só vez;
O Sol poisa entre eles, deixando a sua alaranjada luz, serenamente,
Tomando lugar a Lua.
A cidade frenética dorme.
Adormece.
Deixa que o caminho se restaure, se preencha de novo
Para um novo amanhecer.
A pele do gigante é como um espelho sujo
Dos sobreviventes.
Os condutores choram.
Ansiedade, cansaço, sãos os reis desta hora;
Amortizam a corrida, e ao mesmo tempo aceleram-na.
Elementos verdes rasgam a pele do gigante,
Tentando dar um outra
Cor ao espelho sujo.
Sons alucinantes fazem trepidar os
Pedestres, e L´argent torna-se
Pensamento inesquecível numa tentativa de amainar o
Negativismo e esforço gastos neste dia.
A cidade adormece.
O Pai gigante dorme, e assim energia, magia dos tolos, adormece também...

Sony

Pernoitas em mim

pernoitas em mim
e se por acaso te toco a memória.. amas
ou finges morrer

pressinto o aroma luminoso dos fogos
escuto o rumor da terra molhada
a fala queimada das estrelas

é noite ainda
o corpo ausente instala-se vagarosamente
envelheço com a nómada solidão das aves

já não possuo a brancura oculta das palavras
e nenhum lume irrompe para beberes


AL BERTO
Em Rumor dos Lobos 1983
Compilado em O Medo

Pergunta-me




Pergunta-me
se ainda és o meu fogo
se acendes ainda
o minuto de cinza
se despertas
a ave magoada
que se queda
na árvore do meu sangue

Pergunta-me
se o vento não traz nada
se o vento tudo arrasta
se na quietude do lago
repousaram a fúria
e o tropel de mil cavalos

Pergunta-me
se te voltei a encontrar
de todas as vezes que me detive
junto das pontes enevoadas
e se eras tu
quem eu via
na infinita dispersão do meu ser
se eras tu
que reunias pedaços do meu poema
reconstruindo
a folha rasgada
na minha mão descrente

Qualquer coisa
pergunta-me qualquer coisa
uma tolice
um mistério indecifrável
simplesmente
para que eu saiba
que queres ainda saber
para que mesmo sem te responder
saibas o que te quero dizer


MIA COUTO
In Raiz de Orvalho e outros poemas

quinta-feira, outubro 11, 2007

Olá a todos novamente.

Cá estou eu de novo pronto a tentar levar este blog para a frente. Para isso preciso da ajuda de todos.

Para já gostaria que votassem na aplicação destinada para o efeito. Preciso de ter um feed-back vosso. Obrigado.

Repouso




Devias ter um nome, para que to pudesse
dizer ao ouvido, quando acordasses, e o azul
da manhã te limpasse do rosto a sua cor
nocturna. Veria a luz passar por
sobre os teus cabelos, e falar-te-ia das ilhas
que nos esperam, num oceano sem nome;
e dar-me-ias a tua mão, num instante longo
como a eternidade, enquanto procuro
o teu nome para te chamar, e ouvir-te
dizer-me que acordaste para o dia
sem fim que tem o teu nome.


NUNO JÚDICE

quarta-feira, outubro 10, 2007

Estou de volta.. Antes tarde que nunca.

Longe

Há uma gramática aberta
no teu corpo, e soletro cada palavra
que o teu olhar me oferece.

Limpo as sílabas que te
escorrem pelo rosto com um lenço de
vidro, descobrindo a tua transparência.

E sais de dentro de um pó de
advérbios, para que eu te dê um nome,
e a vida volte a correr por ti.

NUNO JÚDICE