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segunda-feira, setembro 19, 2005

Ecloga

Sonhei contigo embora nenhum sonho
possa ter habitantes, tu a quem chamo
amor, cada ano pudesse trazer
um pouco mais de convicção a
esta palavra. É verdade o sonho
poderá ter feito com que, nesta
rarefacção de ambos, a tua presença se
impusesse - como se cada gesto
do poema te restituísse um corpo
que sinto ao dizer o teu nome,
confundindo os teus
lábios com o rebordo desta chávena
de café já frio. Então, bebo-o
de um trago o mesmo se pode fazer
ao amor, quando entre mim e ti
se instalou todo este espaço -
terra, água, nuvens, rios e
o lago obscuro do tempo
que o inverno rouba à transparência
da fontes. É isto, porém, que
faz com que a solidão não seja mais
do que um lugar comum saber
que existes, aí, e estar contigo
mesmo que só o silêncio me
responda quando, uma vez mais
te chamo.


NUNO JÚDICE

sexta-feira, setembro 16, 2005

Há tanta gente muito pior que tu...

Há tanta gente muito pior que tu,
Que sabe tão pouco sorrir
Que não sabe o que é amor e ser feliz!
Há tanta gente que dava tudo
Para estar no teu lugar,
Para ter a tua oportunidade
Para conviver como tu vives
Para amar quem tu odeias,
Para aceitar o que tu rejeitas,
Para aproveitar o que tu dispensas e desprezas
Há tanta gente
Que queria ter braços
Para trabalhar e estudar,
Coisa que te chateiam!
Ha tanta gente
Que queria ter olhos para ver
As maravilhosas belezas da vida,
Olhos que tu fechas, e só abres para ver
As coisas más da vida....
Há tanta gente que queria ouvir
Que queria ter ouvidos
Para ouvir as coisas belas e encantadoras.
Ouvidos que tu só usas
Para ouvir palavrões e horror
Há tanta gente que queria ter voz
Para, em cada tom, exprimir ternas de amor,
Voz que tu só usas com ódio
Há tanta gente que, escondida atrás das
Grandes gentes,
Das grandes guerras
Da miséria e da dor
Sofre sem se queixar,
E que apesar de tudo
Sorri em vez de chorar


Sarah Monteiro

Coração sem imagens

Deito fora as imagens,
Sem ti para que me servem
as imagens?

Preciso habituar-me
a substituir-te
pelo vento,
que está em toda a parte
e cuja direcção
é igualmente passageira
e verídica.

Preciso habituar-me ao eco dos teus passos
numa casa deserta,
ao trémulo vigor de todos os teus gestos
invisíveis,
à canção que tu cantas e que mais ninguém ouve
a não ser eu.

Serei feliz sem as imagens.
As imagens não dão
felicidade a ninguém.

Era mais difícil perder-te,
e, no entanto, perdi-te.
Era mais difícil inventar-te,
e eu te inventei.

Posso passar sem as imagens
assim como posso
passar sem ti.

E hei-de ser feliz ainda que
isso não seja ser feliz.


Raúl De Carvalho

CORAÇÃO A CORAÇÃO

Enfim aqui estou de pé
Passei por ali
Alguém passa por lá agora
Como eu
Sem saber onde vai

Eu tremia
Ao fundo do quarto a parede era negra
Ele tremia também
Como pude eu transpor o limiar dessa porta

Poder-se-ia gritar
Ninguém ouve
Poder-se-ia chorar
Ninguém entende

Encontrei a tua sombra na obscuridade
Era mais doce do que tu
Antigamente
Estava triste a um canto
A morte trouxe-te essa tranquilidade
Mas tu falas falas ainda
Queria abandonar-te

Se entrasse ao menos um pouco de ar
Se o exterior nos deixasse ainda ver claro
Sufoca-se
O tecto pesa-me na cabeça e empurra-me
Onde vou eu meter-me para onde partir
Não tenho espaço que chegue para morrer
Onde vão os passos que se afastam e que escuto
Longe muito longe
Estamos sós a minha sombra e eu
A noite cai


Pierre Reverdy
(Tradução Eugénio de Andrade)

Ode à Paz

Pela verdade, pelo riso, pela luz, pela beleza,
Pelas aves que voam no olhar de uma criança,
Pela limpeza do vento, pelos actos de pureza,
Pela alegria, pelo vinho, pela música, pela dança,
pela branda melodia do rumor dos regatos,
Pelo fulgor do estio, pelo azul do claro dia,
Pelas flores que esmaltam os campos, pelo sossego, dos pastos,
Pela exactidão das rosas, pela Sabedoria,
Pelas pérolas que gotejam dos olhos dos amantes,
Pelos prodígios que são verdadeiros nos sonhos,
Pelo amor, pela liberdade, pelas coisas radiantes,
Pelos aromas maduros de suaves outonos,
Pela futura manhã dos grandes transparentes,
Pelas entranhas maternas e fecundas da terra,
Pelas lágrimas das mães a quem nuvens sangrentas
Arrebatam os filhos para a torpeza da guerra,
Eu te conjuro ó paz, eu te invoco ó benigna,
Ó Santa, ó talismã contra a indústria feroz,
Com tuas mãos que abatem as bandeiras da ira,
Com o teu esconjuro da bomba e do algoz,
Abre as portas da História,

deixa passar a Vida!


NATALIA CORREIA

Autor Desconhecido

A praia
gelada e fria,
pelo povo esquecida,
pelo vento arrefecida,
incumbiu-se de eliminar
o som, o cheiro, o sabor,
o futuro ardor
de sentimento ... o olhar.

A negrura
de meu destino,
estranho fado vespertino
criado de torpe cantiga,
ecoava na aurora humana
história antiga,
apagada pela vida mundana,
nefasta amiga.

O tempo
que fecha canções,
abre os corações,
dentro de mim
cria raízes e procura,
numa descida sem fim
à morte obscura,
se esquecer
que o cruel mundo
é fomentado pelo profundo
medo ... de crescer.

Em mim,
navio brando,
desaparece a calma,
navego então pelo bravio,
mas agora sim a ver,
a encontrar em cada alma,
em cada defeito, cada desvio,
a semelhança do ser.

Em ti,
ser sublime,
descobri a perfeição,
do olhar humano ausente
incapaz de ver a conjugação
em matéria e essência presente;
quis assim viver o amor,
condensar o sentimento
num só momento,
naquilo a que chamam louvor.

A tua presença,
alimento de minha existência
é martírio do mesmo espírito, clemência!
Por muito que tente,
algo mais forte me impede
de te dizer o quanto te amo,
por muito que tente,
algo mais forte me impede
de parar o amor que aqui proclamo.

Peço, pois, o perdão,
aquele esquecimento que se pede
quando a ferida é muito grande
e de continuar aberta nada a impede;

Estive ali perto, aqui longe
e, neste momento, peço
perdão, pelas vezes que não te chamei,
perdão, pelas vezes que não te amei,
pelas vezes que embora
já longe da escuridão
voltei a procurar refúgio
na cegueira da mente,
escondendo meu coração
a teus olhos, tua face
de minha mão, de minha boca
teus lábios;

O meu corpo
pede a tua alma,
o meu ser
pede o teu corpo,
ansioso por cheirar
a verdura de teus olhos
e poder ver
a doçura de tua pele;

agora,
o sentimento condensado
irrompe em confusão
difusa ou mesmo prolixa,
espelha-se na luz da minha íris
procurando
repouso ... numa resposta tua.

Encontro dentro de ti
o belo da semelhança do ser.

Autor Desconhecido

Cântico

Mundo à nossa medida
Redondo como os olhos,
E como eles, também,
A receber de fora
A luz e a sombra, consoante a hora

Mundo apenas pretexto
Doutros mundos.
Base de onde levanta
A inquietação,
Cansada da uniforme rotação
Do dia a dia.
Mundo que a fantasia
Desfigura
A vê-lo cada vez de mais altura.

Mundo do mesmo barro
De que somos feitos.
Carne da nossa carne
Apodrecida.
Mundo que o tempo gasta e arrefece,
Mas o único jardim que se conhece
Onde floresce a vida.


MIGUEL TORGA

Se for para viver um amor

Se for para viver um amor
como se fosse o êxtase convulsivo
de cada aurora
o compulsivo movimento das ondas
saboreando as areias
a loucura quixotesca
convencendo ilusões
nos olhos descrentes
a primavera dos girassóis
proseada nos livros de cordel
o mel que brota
sementes de beija-flor.
Se for para viver este amor
hei de morrer primeiro
para tapar os bueiros da alma
rescindir os pactos
com o infortúnio
jazer prantos em covas esquecidas.
Se for para viver o teu amor
hei de aparecer renascido em ti.


Nídia Caldas

Para ti

Para ti
Que percorres, incerta
A estrada de espinhos da vida
Sentes a alma
Só e deserta
E tens fé que o futuro decida
A tua sorte
Para ti
Que a vida é amarga
E os longos minutos são horas
E não sentes
Que ela desperta
E o mundo rola enquanto choras
Eu estou por ti
Não és só tu, são milhões
Que vivem o que não querem
Que sentem que a vida é fria
Estejam lá onde estiverem
Não és só tu, são milhões
Que lutam pela alegria
Tens que lutar minha amiga
Até ser dia!


Luis Mendes

Ser Só

Se estas só não fiques triste,
Da ouvidos à solidão e fala com o outro lado de ti,
Ficarás assim em presençaa do teu maior amigo.
Aquele ser invisivel a quem pedes conselhos,
Com quem dialogas em pensamento,
A quem pedes compreensão para contigo.
Vais descobrir coisas lindas todos os dias,
Vais com ele até à tua infância,
Com ele, vais em busca do futuro,
Com ele dividirás tristezas e alegrias,
Com ele descobrirás a tolerância,
Com ele navegas pelo seguro.
Estavas só e triste,
Mas um novo aliado já descobriste.
Sê forte e continua as tuas descobertas,
Agora na outra face do teu ser,
Aqui há também um inimigo,
O que te tira o sono,
O que te tira o prazer.
Mas ouve-o, escuta-o com atenção,
Ele tem coisas para te dizer.
Coisas más, por certo,
Coisas terríveis, às vezes,
Mas não fiques triste,
Mantem o teu espírito aberto.
Este inimigo vai-te tentando,
Vai-te obrigando a fazer o que tu não queres,
Vai estar contra o teu amigo também,
Mas... luta, luta porque vale a pena.
São duas forças contra uma,
A tua e a do teu amigo,
São dois contra o exterminador.
Mas uma batalha perdida
Não significa perder a guerra,
Se tudo for feito com amor.
Como vês, não estas só!
Se não estas só, não podes estar triste.
Então abre o teu espírito à convivência,
Continua a dialogar contigo próprio,
Um dia sorrirás de alegria,
Quando olhares à volta do teu "EU"
E vires uma imensa multidão
Que te dá vivas e te adora.
Se estás só, não fiques triste,
Porque afinal a maior tristeza
É a de pensar que estás só.
Não tens razão para estar triste,
Porque afinal a palavra SÓ não existe!


Lobo Amaral

Quanto de ti amor

Quanto de ti amor. Me possui no abraço
Em que de penetrar-te me senti perdido
No ter-te para sempre-
Quanto de Ter-te me possui em tudo
O que eu deseje ou veja não pensando em ti
No a braço a que me entrego-
Quanto de entrega é como um rosto aberto,
Sem olhos e sem boca, só expressão dorida
De quem é como a morte-
Quanto de morte recebi de ti,
Na pura perda de possuir-te em vão
De amor que nos traiu-
Quanta traição existe de possuir-se a gente
Sem conhecer que o corpo não conhece
Mais que o sentir-se noutro-
Quanto sentir-te e me sentires não foi
Senão o encontro eterno que nenhuma imagem
Jamais separará-
Quanto de separados viveremos noutros
Esse momento que nos mata para
Quem não nos seja e só-
Quanto de solidão é este estar-se em tudo
Como na ausência indestrutível que
Nos faz ser um no outro-
Quanto de vida consumimos pura
No horror e na miséria de, possuindo, sermos
A terra que outros pisam.
Oh meu amor, de ti,
por ti, e para ti,
Recebo gratamente como se recebe
Não a morte ou a vida, mas a descoberta
De nada haver onde um de nós não esteja


JORGE DE SENA

Eu sei, não te conheço, mas existes ...

Eu sei, não te conheço mas existes.
por isso os deuses não existem,
a solidão não existe
e apenas me dói a tua ausência
como uma fogueira
ou um grito.

Não me perguntes como mas ainda me lembro
quando no outono cresceram no teu peito
duas alegres laranjas que eu apertei nas minhas mãos
e perfumaram depois a minha boca.

Eu sei, não digas, deixa-me inventar-te.
ao é um sonho, juro, são apenas as minhas mãos
sobre a tua nudez
como uma sombra no deserto.
É apenas este rio que me percorre há muito e desagua em ti,
Porque tu és o mar que acolhe os meus destroços.
É apenas uma tristeza inadiável, uma outra maneira de habitares
Em todas as palavras do meu canto.

Tenho construído o teu nome com todas as coisas.
tenho feito amor de muitas maneiras,
docemente,
lentamente
desesperadamente
à tua procura, sempre á tua procura
até me dar conta que estás em mim,
que em mim devo procurar-te,
e tu apenas existes porque eu existo
e eu não estou só contigo
mas é contigo que eu quero ficar só
porque é a ti,
a ti que eu amo.


JOAQUIM PESSOA

quinta-feira, setembro 15, 2005

É amargo o coração do poema...

É amargo o coração do poema.
A mão esquerda em cima desencadeia uma estrela,
em baixo a outra mão
mexe num charco branco. Feridas que abrem,
reabrem, cose-as a noite, recose-as
com linha incandescente. Amargo. O sangue nunca pára
de mão a mão salgada, entre os olhos,
nos alvéolos da boca.
O sangue que se move nas vozes magnificando
o escuro atrás das coisas,
os halos nas imagens de limalha, os espaços ásperos
que escreves
entre os meteoros. Cose-te: brilhas
nas cicatrizes. Só essa mão que mexes
ao alto e a outra mão que brancamente
trabalha
nas superfícies centrífugas. Amargo, amargo. Em sangue e exercício
de elegância bárbara. Até que sentado ao meio
negro da obra morras
de luz compacta.
Numa radiação de hélio rebentes pela sombria
violência
dos núcleos loucos da alma.


Herberto Helder
Poesia Toda
Lisboa, Assírio & Alvim, 1990

quarta-feira, setembro 14, 2005

Sem Título (Luís Melo)

... Paisagens da alma!
Instantâneos!
Mais tarde podem desbotar
o que à vezes dói!
Mas...
que não se ponha em causa
o escrever desses versos
que se destilam
como o destino da gente,
da terra, do tempo,
de elementos definidos
à luz de sentidos distintos
...elementos emparceirados
com a razão, a sensibilidade
e os ideais soberanos
do primeiro ao ultimo
de todos os becos.
Não se ponha em causa
mas invente-se um pecado
e uma culpa para a poesia.
Chamemos-lhe nomes;
insultemo-la; lá vai:
a poesia é uma avantesma,
uma absurdidade,
uma quimera com elefantíase
ou nem tanto mas...
com a ambígua desvantagem
de não lhe assistir a lucidez
para com o belo absoluto
e a vantagem ambígua de jamais
deixar de insinuar
o amor e a sombra.


Luis Melo
[12:34:10] .

Não sei como dizer-te que a minha voz te procura

Não sei como dizer-te que a minha voz te procura
E a atenção começa a florir, quando sucede a noite
Esplêndida e vasta.
Não sei o que dizer, quando longamente teus pulsos
Se enchem de um brilho precioso
E estremeces como um pensamento chegado. Quando,
Iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado
Pelo pressentir de um tempo distante,
E na terra crescida os homens entoam a vindima
eu não sei como dizer-te que cem ideias,
dentro de mim, te procuram.
Quando as folhas da melancolia arrefecem com astros
Ao lado do espaço
E o coração é uma semente inventada
Em seu escuro fundo e em seu turbilhão de um dia,
Tu arrebatas os caminhos da minha solidão
Como se toda a casa ardesse pousada na noite.
E então não sei o que dizer
junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio.
Quando as crianças acordam nas luas espantadas
que às vezes se despenham no meio do tempo
não sei como dizer-te que a pureza,
dentro de mim, te procura.
Durante a primavera inteira aprendo
Os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstracto
Correr do espaço -
E penso que vou dizer algo cheio de razão,
Mas quando a sombra cai da curva sôfrega
Dos meus lábios, sinto que me faltam
Um girassol, uma pedra, uma ave - qualquer coisa
extraordinária.
Porque não sei como dizer-te sem milagres
Que dentro de mim é o sol, o fruto,
a criança, a água, o deus, o leite, a mãe,
o amor,
que te procuram.


Herberto Helder

O LOUCO

PERGUNTAM-ME como fiquei louco?
Foi assim:

Há muito tempo, muitíssimo,
muito antes de terem nascido os deuses,
despertei de uma profunda letargia
e reparei que todas as minhas máscaras
tinham sido roubadas.

Sim, as sete máscaras
que para mim tinha fabricado e utilizado
nas minhas sete vidas.

Corri sem máscara
pelas ruas cheias de gente
gritando:
- Ladrões! Malditos ladrões !


Homens e mulheres riram-se de mim,
e muitos fecharam-se em casa,
cheios de medo.

Quando cheguei à praça do mercado,
um rapaz que estava de pé
no telhado da casa,
gritou apontando-me com o dedo:
-é um louco!

Ergui os olhos para o ver,
e foi então que o sol banhou
pela primeira vez
o meu rosto despido.

Pela primeira vez
o sol banhou o meu rosto despido
e a minha alma
encheu-se de amor ao sol,
e desde então
nunca mais quis usar máscara.

Depois gritei
como se estivesse em transe:
-Benditos! Benditos ladrões
que me roubaram as máscaras!

Foi assim que me tornei louco.

Encontrei muita liberdade
e segurança

na minha loucura;
a liberdade da solidão
e a segurança de nunca ser compreendido,
porque aqueles que nos compreendem
fazem de nós escravos.

Mas não deixem
que me orgulhe demasiado
da minha segurança;
nem sequer o ladrão encarcerado
está livre de encontrar outro ladrão.


Khalil Gibrain
O Louco

Elegia

Só tu que não existes
Me dás calma.
Porque não tens alma,
Porque não consistes.

Mesmo quando voltas
- tu que não estiveste-
não me trazes nada;
nem mesmo o calor
da chama apagada.

Porque não te tenho
E vivo contigo,
Porque não te quero
Nem sou teu amigo
Deixa-me o teu corpo:
Ânfora vazia,
Vinho de ciúme.
Deixa-me o que fui
- o meu eco em ti...


FERNANDO TAVARES RODRIGUES

MAR PORTUGUÊS

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos,quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quere passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.


FERNANDO PESSOA

Se Alguém Bater um Dia à Tua Porta

Se alguém bater um dia à tua porta,
Dizendo que é um emissário meu,
Não acredites, nem que seja eu;
Que o meu vaidoso orgulho não comporta
Bater sequer à porta irreal do céu.

Mas se, naturalmente, e sem ouvir
Alguém bater, fores a porta abrir
E encontrares alguém como que à espera
De ousar bater, medita um pouco. Esse era
Meu emissário e eu e o que comporta
O meu orgulho do que desespera.
Abre a quem não bater à tua porta!


FERNANDO PESSOA
5-9-1934

Deixa que as Mãos...

Deixa que as mãos
Percorram o caminho difícil do azul
Como se o azul
Fosse a cor da alegria
O lugar aceso de uma vida.

Deixa que as mãos
Transportem barcos
E regressem de nenhuma viagem.

Deixa o coração adormecido
Na lembrança das aves - grão de areia.
Uma sirene ao longe.

Deixa a roupa dobrada
A candeia acesa
O lugar na mesa.
Há sempre uma hera por cortar


FERNANDO FABIÃO

Adeus

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus


Eugénio de Andrade

De onde vem a cidade

Quando passeio á noite pela cidade recolhida em íntimo silencio,
olho admirado as ruas e as árvores
e interrogo enigmático sobre os olhos cerrados dos homens citadinos
o serem eles o sentido disto tudo.
E penso nas formosas flores públicas plantadas para todos,
penso na janela clara aberta sobre o mar,
nas avenidas livres fechando junto ao céu....
então maciamente vou,
espantado de estar na vida a ser um homem
e a cumprir o tempo de ser grande,
descerrar as pálpebras descidas dos humanos irmãos emparedadas
e mostrar-lhes porque existem avenidas,
de onde vêm as casas e as fábricas
e porquê quando rente á madrugada
um pássaro cantando entre o cimento e as flores
na tenra primavera da cidade
pode encher de frescura e de sentido e vida.


EDUARDO VALENTE DA FONSECA

AUTO-RETRATO

Quantas horas não choras a pensar
em ti -- quando ando, desando,
neste viver sem mim.
Quantos anos sem tino. De mim
este cantar desencantado -- assim.
Embora os dias me afastem já de ti
procuro saber do teu espaço,
nas casas brancas onde o azul desmaia. Sinal
de outro tempo em que ainda rias,
espaço meu. Afinal alteras, aterras, ó desenterrado.
Finges, desarmas, com teu gosto azedo. Procuras,
já vives, nas verdes veredas. Mas não sabes,
nem queres, do teu ao meu, essa coisa
chamada amor.

Outra vez ainda desanimas
quando o caminho é rude.
Mas vê se te ergues; se te animas.
Não és tu quem às vezes até reza?
Claro: vais por aí fora à toa, entoas,
ou então, nas linhas, avanças entrelinhas.
Querias era estrelas -- estrelinhas.
Outra vez descobres o perfil do abandono
e na manta te enrolas:
palavras, palavras de sono.
Julgas cantar o teu destino
e retomas a meada, o desatino,
o novelo em que andas enredado.
Mas essa coisa chamada amor?


Eduardo Guerra Carneiro

Amor

Amor é sopro de vento
Que envolve o coração
É fúria, é dor, é tormento
É tempestade amainando
É sangue a pular no chão
É fofo, é um leve ninho
Para onde um passarinho
Carinho aos seus vai levando
Amor é gota de chuva
Em teu rosto deslizando
É suave, é bom, é a luva
Que todos querem calçar
Amor é rio navegando
No meio de frondoso vale
Amor é o porto final
Onde havemos de parar
Amor é rosa madura
Que no teu peito desponta
É torrente de doçura
Uma estrela em esplendor
Que todo o teu ser afronta
Amor é algo sem fim
Que está bem dentro de mim
Amor és tu, meu amor!


DiAngellis

Aos deuses uma coisa se agradeça

Aos deuses uma coisa se agradeça:
O sono. A vida esqueça
Já que não pode nunca ser feliz.
Por isso, com um rito definido
Encostemos a fronte ao travesseiro
E deponhamos como ante um juiz
O nosso anseio derradeiro.

Sim, o sono, o sossego, o não ser nada
A morte sempre ansiada
(...)
No sossego da fronte que repousa
Alheia a toda a coisa.
O apagamento, bem ou mal, de tudo.


Bernardo Soares
13/01/920

Um homem na cidade

Agarro a madrugada
como se fosse uma criança
uma roseira entrelaçada
uma videira de esperança
tal qual o corpo da cidade
que manhã cedo ensaia a dança
de quem por força da vontade
de trabalhar nunca se cansa.

Vou pela rua
desta lua
que no meu Tejo acende o cio
vou por Lisboa maré nua
que se deságua no Rossio.

Eu sou um homem na cidade
que manhã cedo acorda e canta
e por amar a liberdade
com a cidade se levanta.

Vou pela estrada
deslumbrada
da lua cheia de Lisboa
até que a lua apaixonada
cresça na vela da canoa.

Sou a gaivota
que derrota
todo o mau tempo no mar alto
eu sou o homem que transporta
a maré povo em sobressalto.

E quando agarro a madrugada
colho a manhã como uma flor
à beira mágoa desfolhada
um malmequer azul na cor.

O malmequer da liberdade
que bem me quer como ninguém
o malmequer desta cidade
que me quer bem que me quer bem!

Nas minhas mãos a madrugada
abriu a flor de Abril também
a flor sem medo perfumada
com o aroma que o mar tem
flor de Lisboa bem amada
que mal me quis que me quer bem!


José Carlos Ary dos Santos

Poema de Um Funcionário Cansado

A noite trocou-me os sonhos e as mãos
dispersou-me os amigos
tenho o coração confundido e a rua é estreita
estreita em cada passo
as casas engolem-nos
sumimo-nos
estou num quarto só num quarto só
com os sonhos trocados
com toda a vida às avessas a arder num quarto só
Sou um funcionário apagado
um funcionário triste
a minha alma não acompanha a minha mão
Débito e Crédito Débito e Crédito
a minha alma não dança com os números
tento escondê-la envergonhado
o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do quintal em frente
e debitou-me na minha conta de empregado
Sou um funcionário cansado dum dia exemplar
Por que não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever?
Por que me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço
Soletro velhas palavras generosas
Flor rapariga amigo menino
irmão beijo namorada
mãe estrela música
São as palavras cruzadas do meu sonho
palavras soterradas na prisão da minha vida
isto todas as noites do mundo numa só noite comprida
num quarto só.


ANTONIO RAMOS ROSA

Acontecimento

Tu choravas e eu ia apagando
com os meus beijos os rastos das tuas lágrimas
riscos na areia mole e quente do teu rosto.
Choravas como quem se procura.
E eu descobria mundos, inventava nomes,
enquanto ia espremendo com as mãos
o meu sangue todo no teu sangue.

Não sei se o mundo existia e nós existíamos realmente.
Sei que tudo estava suspenso,
esperando não sei que grave acontecimento,
e que milhares de insectos paravam e zumbiam nos
meus sentidos.
Só a minha boca era uma abelha inquieta
percorrendo e picando o teu corpo de beijos.

Depois só dei pela manhã,
a manhã atrevida
entrando devagar, muito devagar e acordando-me.
Desviei os meus olhos para ti :
ao longo do teu corpo morriam as estrelas.
A noite partira. E, lentamente,
o sol rompeu no céu da tua boca.


Albano Martins

Uma estranha certeza

Durante muitos anos, com frequência
me lembrei de ti, ou da tua imagem,
para ser mais exacto, pois daquilo
que uma vez amamos só nos resta
(tal como de um livro) uma muito vaga
impressão geral e algum episódio.
E com frequência também me perguntei,
procurando entre a névoa da lembrança
não sei se uma resposta, o que deixaste
em mim que continue meu ainda
e se não foi o amor, o meu amor por ti
e não tu própria, o que me importa ainda
e o que procuro ainda ao recordar-te.
Se a nossa vida arde, somos chama
ou aquilo que se queima e é a cinza?
Nessa desmesura que é o tempo
acham sua razão amor e esquecimento,
mas não sua medida. Ao recordar-te,
compreendo-o tão bem, que pouco importa
saber ou não saber, mas tão-somente
sentir que foste parte de mim mesmo,
que estás dentro de mim, tal os meus sonhos,
que são e não são eu, mas em mim nascem,
que já nunca de mim vais apagar-te,
que, queira ou não queira eu o esquecimento,
hás-de ir vivendo com a minha vida.
Que estranha sensação essa certeza.


Abelardo Linares

terça-feira, setembro 13, 2005

Cântico Negro

"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...


A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha mãe


Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...


Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?


Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...


Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.


Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...


Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...


Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.


Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!


José Régio

Ecloga

Sonhei contigo embora nenhum sonho
possa ter habitantes, tu a quem chamo
amor, cada ano pudesse trazer
um pouco mais de convicção a
esta palavra. É verdade o sonho
poderá ter feito com que, nesta
rarefacção de ambos, a tua presença se
impusesse - como se cada gesto
do poema te restituísse um corpo
que sinto ao dizer o teu nome,
confundindo os teus
lábios com o rebordo desta chávena
de café já frio. Então, bebo-o
de um trago o mesmo se pode fazer
ao amor, quando entre mim e ti
se instalou todo este espaço -
terra, água, nuvens, rios e
o lago obscuro do tempo
que o inverno rouba à transparência
da fontes. É isto, porém, que
faz com que a solidão não seja mais
do que um lugar comum saber
que existes, aí, e estar contigo
mesmo que só o silêncio me
responda quando, uma vez mais
te chamo.



NUNO JÚDICE

O Boi da Paciência

Teoricamente livre para navegar entre
estrelas
minha vida tem limites assassinos
Supliquei aos meus companheiros:
Mas fuzilem-me!
Inventei um deus só para que me matasse
Muralhei-me de amor
e o amor desabrigou-me
Escrevi cartas a minha mãe desesperadas
colori mitos e distribuí-me em segredo
e ao fim e ao cabo
recomeçar
Mas estou cansado de recomeçar!

ANTONIO RAMOS ROSA

CALMARIA

Um barco atravessa as constelações,
deixando um sulco de asa na superfície celeste.
Viajante clandestino, oculto o meu sonho
na mala do porão. Ouço um choro de astros
amarrados ao mastro de fogo, e sinto uma queda
de cometa no abismo do horizonte.

Desenho o seu rumo no mapa
da alma. Evito naufrágios; rodeio arquipélagos
e recifes; procuro o centro do céu, onde
se esconde a visão de um último porto, com
o seu cais de cinza e uma erupção de lava
nos bolsos do nada.

Então, acendo um cigarro na falésia
da memória. Os deuses seguem-me, apanhando
as beatas que deixo pelo caminho. Correm,
e ouço o bater dos corações num eco
de cansaço. Mas não me apanham, e
dobro a esquina do ocaso, vendo-os tossir
com o fumo da noite

De volta ao convés, reabro
o diário de bordo. E o barco continua parado
no oceano sem porto.



NUNO JÚDICE
Geometria variável
Abril 2005
Publicações D.Quixote

Se eu pudesse trincar a terra toda...

Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar,
Seria mais feliz um momento ...
Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural...
Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva ...
O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja ...


Alberto Caeiro

Hoje podes deitar-te na minha cama...

Hoje podes deitar-te na minha cama
e contar-me mentiras - dizer, não sei,
que o amor tem a forma da minha mão
ou que os meus beijos são perguntas que
não queres que ninguém te faça senão
eu; que as flores bordadas na dobra do
meu lençol são de jardins perfeitos que
antes só existiam nos teus sonhos; e que
na curva dos meus braços as horas são
mais pequenas do que uma voz que no
escuro se apagasse. Hoje podes rasgar
cidades no mapa do meu corpo e
inventar que descobriste um continente
novo - uma pátria solar onde gostavas
de morrer e ter nascido. Eu não me
importo com nada do que me digas esta
amo-te, e amar-te é reconhecer o
pólen excessivo das corolas, o seu vermelho
impossível. Mas amanhã, antes de partires,
não digas nada, não me beijes nas costas
do meu sono. Leva-me contigo para sempre
ou deixa-me dormir - eu não quero ser
apenas um nome deitado entre outros nomes.


Maria do Rosário Pedreira

Espera...

"Espera...

Não, não partas já, espera um pouco ainda,
espera que o tempo passe e apazigue a alma,
nos arrefeça os ímpetos e nos faca voltar à terra,
a essa estúpida e reguladora rotina que nos rege os dias e as noites
e nos faz sentir que afinal somos pessoas normais,
donas da nossa vida e do nosso coração.

Espera só um momento,
deixa que o silêncio perpetue os nossos momentos de perfeição,
a comunhão das nossas almas em noites passadas em claro ,
em conversas ligadas por um fio invisível,
o fio do desejo, daquele desejo duradouro e certo que o tempo não mata,
só ajuda a cimentar, que a distância não destrói, só ajuda a alimentar.

Espera só mais um instante,
até que a tua memória quente cristalize os nossos momentos
e os preserve como um tesouro secreto
por mais ninguém descoberto e cobiçado.
Guarda bem estes instantes,
num lugar qualquer entre a tua cabeça e o teu coração,
que deve ser mais ou menos onde se situa a alma
e espera que o tempo te diga se o que sentes vai crescer e dar sentido à tua vida.

Espera ,não partas ainda, o dia ainda não acordou,
na rua só os cães ladram, os bêbados choram e os candeeiros vivem,
a noite é enorme, é imensa, é nossa e só nossa, cada minuto passa mais devagar
Porque não pode ver que horas são...

Está escuro no quarto, mas nunca vi tanta luz,
uma luz doce e ao mesmo tempo avassaladora que sai dos teus olhos semicerrados,
das tuas mãos entrelaçadas nas minhas, da tua voz sussurada e próxima ,
do teu sorriso onde caibo inteira.
A luz envolve-me como uma teia
e eu sinto-me embalada como uma criança no berço,
fecho os olhos para te ver melhor e de repente
o passado passa todo por baixo das minhas pâlpebras
como um filme acelarado e vejo-me outra vez com 18 anos
a sonhar com o futuro, a imaginar tudo aquilo em que me tornei ,
para logo regressar ao presente e ficar aqui,
imóvel como uma estátua à espera que o tempo passe e nada mude...

Espera só mais um ou dois minutos,
eterniza este abraço, grava-o na tua memória para que amanhã e depois,
e depois ainda, o possas sentir outra vez,
que ele te acompanhe e te ajude, te dê apoio e protecção,
te faça sentir amado e desejado como uma mãe que ama um filho,
sempre em silêncio, sem nunca perder a paciência, sem nunca cobrar,
sem nunca pedir, só dar, dar, dar...

Espera ainda , esconde tudo,
leva o meu cheiro para casa e esconde-o dentro de uma gaveta ,
não deixes que ninguém saiba que te quero e te desejo,
não deixes que te falem de mim, não oiças o que os outros dizem ,
eles não estão no meio de nós, só nós é que estamos aqui,
a vida que vivemos é a nossa vida e não a que os outros querem que seja.

Vive cada minuto intensamente e no maior segredo
faz como aquele poeta que só deixou que as suas palavras fossem lidas depois de morrer,
para que ninguém o julgasse ou pudesse apontar-lhe o dedo.

Guarda-me bem, perto de ti, sempre perto,
mesmo que eu não te veja ou tu não me fales, estarei ali,
junto de ti, como Vénus sempre atrás da lua quando o dia cai e a noite se levanta,
silenciosa, altiva, celeste e discreta. Deixa-me ficar aí , aí ninguém me vê ,
estou protegida pela discrição da noite ,
pelo silêncio dos pássaros que já dormem e não nos podem denunciar.
Serei uma sombra , um suspiro, um sorriso, uma festa no teu cabelo.

E a minha presença , certa e segura junto ao teu coração ,
vai-te trazer de volta os sons das nossas conversas,
a temperatura das nossas mãos entrelaçadas uma na outra ,
o sabor da minha boca na tua, o meu olhar dentro do teu como nunca tivesse partido,
como se nunca mais precisasses de voltar a essa estúpida rotina que nos rege os dias e as noites,
e nunca mais te sentirás uma pessoa normal, igual às outras,
porque é agora que podes ser dono(a) da tua vida e do teu coração,
é agora que tudo pode acontecer de outra forma e a vida se trasformar em algo que sempre sonhaste.

Mas espera, espera um pouco ainda, espera ,
porque a espera é o tempo de deixar crescer aquilo que há-de ser.
E é sempre pouco, quando se tem tanto para dar e receber."



Margarida Rebelo Pinto

segunda-feira, setembro 12, 2005

William Shakespeare (Sem título)

Depois de algum tempo aprendes a diferença, a subtil
diferença,
entre dar a mão e acorrentar uma alma.

E aprendes que amar não significa apoiar-se, e que
companhia
nem sempre significa segurança.

E começas a aprender que beijos não são contratos, e
presentes
não são promessas. E não importa o quão boa seja uma
pessoa,
ela vai ferir-te de vez em quando e precisas perdoá-la
por isso.

Aprendes que falar pode aliviar dores emocionais.
Descobres que
se leva anos para se construir confiança e apenas
segundos para
destruí-la, e que podes fazer coisas num instante, das
quais te
arrependerás pelo resto da vida.

Aprendes que verdadeiras amizades continuam a crescer
mesmo a
longas distâncias. E o que importa não é o que tu tens
na vida,
mas quem tens na vida.

Descobres que as pessoas com quem mais te importas na
vida, são
tiradas de ti muito depressa por isso, sempre devemos
deixar as
pessoas que amamos com palavras amorosas pode ser a
última vez
que as vemos.

Aprendes que paciência requer muita prática. Aprendes
que
quando estás com raiva tens o direito de estar com
raiva, mas
isso não dá o direito de seres cruel.

Aprendes que nem sempre é suficiente ser perdoado por
alguém.
Algumas vezes, tens que aprender a perdoar-te a ti
mesmo.

Aprendes que com a mesma severidade com que julgas, tu
serás em
algum momento, condenado. Aprendes que não importa em
quantos
pedaços teu coração foi partido, o mundo não pára para
que o
consertes.

E, finalmente, aprendes que o tempo, não é algo que
possa
voltar para trás.

Portanto, planta teu jardim e decora tua alma, ao
invés de
esperar que alguém te traga flores.

E percebes que realmente podes suportar... que
realmente és
forte, e que podes ir muito mais longe depois de
pensar que não
se pode mais.

E que realmente a vida tem valor, e que tu tens valor
diante da
vida! E só nos faz perder o bem que poderíamos
conquistar, o
medo de tentar!


William Shakespeare

POSSO ESCREVER OS VERSOS...

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo: «A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros lá ao longe.»
O vento da noite gira no céu e canta.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu amei-a, e por vezes ela também me amou.
Em noites como esta tive-a eu nos meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.
Ela amou-me, por vezes eu também a amava.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que a perdi já.
Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.
Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.
Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.
A minha alma não se contenta com havê-la perdido
Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a.
O meu coração procura-a, e ela não está comigo.
A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores.
Nós dois, os de então, já não somos os mesmos.
Já não a amo, é verdade, mas tanto que eu a amei.
Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido.
De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos.
Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda.
É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.
Porque em noites como esta a tive nos meus braços,
a minha alma não se contenta com havê-la perdido.
Embora esta seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.

Pablo Neruda

Cala-te...

Cala-te...

Cala-te, voz que duvida
e me adormece
a dizer-me que a vida
nunca vale o sonho que se esquece.

Cala-te, voz que assevera
e insinua
que a primavera
a pintar-se de lua
nos telhados,
só é bela
quando se inventa
de olhos fechados
nas noites de chuva e de tormenta.

Cala-te, sedução
desta voz que me diz
que as flores são imaginação
sem raiz.

Cala-te, voz maldita
que me grita
que o sol, a luz e o vento
são apenas o meu pensamento
enlouquecido….

(E sem a minha sombra
o chão tem lá sentido!)

Mas canta tu, voz desesperada
que me excede.
E ilumina o Nada
Com a minha sede.

JOSÉ GOMES FERREIRA

Alguém Parte Uma Laranja Em Silêncio

Alguém parte uma laranja em silêncio, à entrada
de noites fabulosas.
Mergulha os polegares até onde a laranja
pensa velozmente, e se desenvolve, e aniquila, e depois
renasce. Alguém descasca uma pêra, come
um bago de uva, devota-se
aos frutos. E eu faço uma canção arguta
para entender.
Inclino-me para as mãos ocupadas, as bocas,
as línguas que devoram pela atenção dentro.
Eu queria saber como se acrescenta assim
a fábula das noites. Como o silêncio
se engrandece, ou se transforma com as coisas. Escrevo
uma canção para ser inteligente dos frutos
na língua, por canais subtis, até
uma emoção escura.

Porque o amor também recolhe as cascas
e o mover dos dedos
e a supensão da boca sobre o gosto
confuso. Também o amor se coloca às portas
das noites ferozes
e procura entender como elas imaginam seu
poder estrangeiro.
Aniquilar os frutos para saber, contra
a paixão do gosto, que a terra trabalha a sua
solidão - é devotar-se,
esgotar a amada, para ver como o amor
trabalha na sua loucura.
Uma canção de agora dirá que as noites
esmagam
o coração. Dirá que o amor aproxima
a eternidade, ou que o gosto
revela os ritmos diuturnos, os segredos
da escuridão.
Porque é com nomes que alguém sabe
onde estar um corpo
por uma ideia, onde um pensamento
faz a vez da língua.
- É com as vozes que o silêncio ganha.


Herberto Helder
Ou o poema contínuo
súmula
Assírio & Alvim

Jantar #Traz_Outro_Amigo_Também

Jantar

Jantar de amigos marcado para dia 01 de Outubro de 2005 no Porto.
Para inscrições enviar mail para trazoutroamigotambem@gmail.com
Vamos ter anões, cavalos nús e mulheres de passo travado.
:)

Cantarei


Vivi povo e multidão

sofri ventos sofri mares
passei sede e solidão
muitos lugares
sofri países sem jeito
p'r'ó meu jeito de cantar
mordi penas no meu peito
e ouvi braços a gritar

e depois vivi o tempo
em que o tempo não chegava
para se dizer o tanto
que há tanto tempo se calava

vivi explosões de alegria
fiz-me andarilho a cantar
cantei noite cantei dia
canções do meu inventar

cantarei cantarei
à chuva ao sol ao vento ao mar
seara em movimento
ondulante, sem parar

Hoje resta-me este braço
de guitarra portuguesa
que nunca perde o seu espaço
e a sua beleza
hoje restam-me os abraços

nesta pátria viajada
dos que moram mesmo longe
a tantos dias de jornada

dos que fazem Portugal
no trabalho dia a dia
e me dão alma e razão
nesta porfia

por isso invento caminhos
mais cantigas viajantes
e sinto música nos dedos
com a mesma força de antes
cantarei cantarei
à chuva ao sol ao vento ao mar
seara em movimento
ondulante, sem parar


Pedro Barroso

sexta-feira, setembro 09, 2005

Amigo
Maior que o pensamento
Por essa estrada amigo vem
Não percas tempo que o vento
É meu amigo também
Em terras
Em todas as fronteiras
Seja benvindo quem vier por bem
Se alguém houver que não queira
Trá-lo contigo também

Aqueles
Aqueles que ficaram
(Em toda a parte todo o mundo tem)
Em sonhos me visitaram
Traz outro amigo também

Zeca Afonso